sábado, 29 de outubro de 2011

voragem



abriu a janela e deixou que entrasse a chuva até que a casa-casa se tornasse casa-rio casa-mar  até que surgissem as primeiras algas e uma areia fina recobrisse o que era ladrilho e mármore  até que o primeiro peixe veloz e prateado reinventasse prazeres e caminhos  e então só então adormeceu



Márcia Maia


domingo, 23 de outubro de 2011

s.o.s


tanto faz se soneto ou elegia
que me acuda a poesia nesta noite

poetrix haicai prosa poética
verso livre talvez neobarroco
recheado de advérbios e metáforas
ou sintético como os aplaudidos
e modernos poemas de invenção

sem que importem o tema a fôrma a fórmula
que me acuda a poesia nesta noite



Márcia Maia


domingo, 16 de outubro de 2011

réquiem


e assim quase sem sentir
tu morreste de mim
desde então velo-te em vão



Márcia Maia


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

519 años después




















mira el mar

desde barcelona
[olhos num possível novo mundo]
de costas para a rambla

pobre cristóbal

os anos passaram
o seu novo mundo diz de vespúcio
o américo

e hoje

sem rainha escorbuto ou caravelas
em parte da mesma
américa

povero cristoforo

não merece sequer uma linha
nos jornais



Márcia Maia


domingo, 9 de outubro de 2011

Das coisas boas da vida


23.09.2011




















I

Quantos anos você faz, papai? pergunta Manuela, quatro anos, na hora de colocar as velas no bolo. Trinta e seis, responde Felipe. Ao que Letícia, nos seus sete anos, retruca num misto de exclamação e pergunta: três dezenas e seis unidades?! Ela cresceu, penso eu, mãe e avó corujíssima, ao mesmo tempo em que Silvinha, a mãe, rearruma as velas: três velas brancas grandes e seis velinhas cor-de-rosa pequeninas.

II 

Última sexta-feira do mês, conselho de classe na escola, Manuela fica em casa, sem aula. E aí, Manu, vai ficar descansando, de pernas pro ar? alguém pergunta. E ela, na semi-seriedade dos seus quatro anos, responde mostrando a boneca: Não, vou tomar conta de Clarisse porque dei folga à babá.

...

Pois é, elas crescem, mas nunca deixam de me surpreender e encantar.


Márcia Maia



quinta-feira, 6 de outubro de 2011

take 5


janelas abertas
todas as luzes apagadas
e uma gama de azul rosa
violeta quase cinza
a inscrever
no céu da tarde
ao avesso a madrugada


Márcia Maia


segunda-feira, 3 de outubro de 2011

nem sonoplastia


              uma família briga
e suas vozes ecoam
quite clear na escuridão
ponteada de janelas acesas

              uma família briga
e suas vozes volteiam
quite angry além das janelas
e a inquietude se mescla à escuridão

no não-lugar em que a família briga
a child cries e chama pelo pai aflita

um copo se quebra e um fio de sangue
tinge a pia onde ela lava os pratos do jantar



Márcia Maia